HISTÓRIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS PORTUGUESAS
“Portugal na conferência de Paz de Versalhes”
Obra de José Medeiros Ferreira
Este texto faz uma reflexão acerca dos planos que conduziram o Governo Português a embarcar nas operações militares durante a Primeira Guerra Mundial. Com isto em mente, o objectivo mais consistente foi o de que Portugal ganharia, com o seu apoio militar ao lado dos Aliados, o direito a participar na futura Conferência de Paz que regularia a organização da sociedade internacional no pós-guerra.
Era óbvio que o objectivo principal de Portugal era assegurar a manutenção da integridade dos domínios coloniais. Assim, em 10 de Dezembro, Egas Moniz foi recebido por Balfour, Ministro dos Negócios Estrangeiros britânico, apresentando os seus objectivos iniciais entre os quais constavam a manutenção e engrandecimento do domínio colonial, e também a questão financeira, onde não poderíamos ficar com todas as dívidas, e a partilha tanto da frota alemã como da distribuição de material de guerra. Sidónio Pais respondeu a tais objectivos, enviando um telegrama a Egas Moniz, exigindo que este desfizesse a impressão que possa ter deixado ao Sr. Balfour relativamente à intenção de Portugal em querer qualquer parcela do território inimigo, e, ainda, deixando claro que os objectivos fulcrais eram meramente a manutenção integral do nosso território e receber a parte que couber a Portugal nas reparações e indemnizações.
Em 1919 o Presidente da República, Canto e Castro, enviou para Paris um documento onde explicitava os objectivos do país na Conferência da Paz. Começou por enquadrar a conferência no contexto histórico e as marcas que a Primeira Grande Guerra deixara na Europa. Afirmou ainda que os debates na conferência seriam de grande importância pelas suas variadas repercussões nos interesses nacionais, referindo que a política externa portuguesa não é apenas europeia pois devido ao nosso domínio colonial tem obrigatoriamente que ser mundial. Com tudo isto marcou, então, os objectivos nacionais, que passavam por indemnizações dos prejuízos morais e materiais sofridos pelo Estado e particulares nas colónias africanas, e também dos prejuízos sofridos nos bombardeamentos do Funchal e Açores, ao interesse na restituição dos valores dos navios e cargas afundadas ilegalmente pelos submarinos alemães, e também na restituição da propriedade e valores portugueses existentes em território inimigo. Finalmente, constava ainda nos objectivos nacionais o desejo do pagamento das despesas com a guerra feitas por Portugal na Europa e nas suas colónias.
Já a 19 de Janeiro de 1919, com a proclamação da monarquia no Norte, as juntas militares opuseram-se à continuidade de Egas Moniz, partindo para revoltas republicanas. Assim, num clima de guerra civil, Afonso Costa é nomeado para presidir o Ministério dos Negócios Estrangeiros. Então, com a saída de Egas Moniz e a entrada de Afonso Costa, assiste-se a uma nova definição dos objectivos da delegação portuguesa na Conferência da Paz, que se baseava no uso das eventuais reparações e indemnizações como forma de sair da crise económica. Afonso Costa pode, então, decidir livremente como dirigir as negociações. Utilizou entrevistas como instrumento diplomático para sensibilizar representantes de outros Estados. No decurso dessas entrevistas, a ideia da futura Sociedade das Nações adquiriu relevo nas conversações.
A Sociedade das Nações veio, assim, tentar criar um conjunto de relações internacionais multilaterais que viriam a ser uma alternativa ao tradicional sistema de alianças, que se acreditava ter provocado a guerra, ao causar rivalidades entre Estados, e que pouco visa a cooperação em tempos de Paz. Portugal acreditava também que a criação da Sociedade das Nações contribuiria largamente para a afirmação do país no estrangeiro, concedendo-lhe maior liberdade face à Inglaterra e tentando adquirir, assim, uma maior capacidade de diversificação das suas relações externas.
No entanto, mais tarde, para infelicidade de Portugal, a Espanha entrou para o Conselho Executivo da Sociedade das Nações. Então, Afonso Costa, em Sessão Plenária da Conferência da Paz, revelou o seu descontentamento com a entrada de um país neutro no Conselho Executivo. Para ainda maior desagrado do representante português, a Espanha foi tratada com maior distinção do que a que foi dada a um país beligerante como Portugal.
Em suma, a entrada na guerra foi uma demonstração de patriotismo que os republicanos vinham a apresentar desde as vésperas de 1910, e que se baseava numa forma de independência da jovem república e de enaltecimento da sua força e extensão territorial.
Apesar da aposta bem sucedida de Espanha numa postura neutra e de requerer que o Presidente dos E.U.A. fosse o interlocutor privilegiado dos interesses de Madrid, o qual empreenderia esforços no sentido da integração de Espanha no Conselho Executivo da Sociedade das Nações em representação dos países neutros, a beligerância portuguesa, optando por zelar pelos seus interesses junto de britânicos e franceses, foi, ainda assim, uma vitória da política externa portuguesa que muito satisfez os Aliados, que temiam que a entrada portuguesa na guerra, do lado dos Aliados, contribuísse para que Espanha oficializasse uma postura de aliança com a Alemanha.
Apesar da sua vitória na política externa, em termos da situação interna a opinião pública portuguesa foi de indignação ao longo desta situação, onde a própria Inglaterra rejeitou apoiar Portugal na sua tentativa de evitar a entrada de Espanha, afirmando que, mesmo sendo neutra, Espanha sempre prestara serviços aos Aliados.
Apesar de tudo isto, o interesse de Portugal pela Sociedade das Nações, e pelo papel que ali poderia desempenhar, não foi quebrado.
Bibliografia:
COUTO, Célia Pinto do e ROSAS, Maria António Monterroso – O Tempo da História. Volume I,1ª Edição, Porto, Porto Editora, 2009
FERREIRA, José Medeiros – Portugal na Conferência da Paz, Paris, 1919. Lisboa: Quetzal Editores, 1992.
SARAIVA, José Hermano – Europa e a América do Norte Século XX. In História Universal. Volume IX, Lisboa, Publicações Alfa, 1985.
TEIXEIRA, Nuno Severiano – Entre a África e a Europa: A Política Externa Portuguesa 1890-2000.
TEIXEIRA, Nuno Severiano – Entre a Neutralidade e a Beligerância. In O Poder e a Guerra 1914-1918: objectivos nacionais e estratégias e políticas na entrada de Portugal na Grande Guerra. Lisboa: Edições Estampa, 1996.
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